Hoje, 30 de janeiro de 2008, é uma data muito especial para mim: completo 12 anos de transplante do fígado. Atingi a média de sobrevida de um tx hepático. E isso não é pouco. Quando a gente faz transplante e toma conhecimento dessas coisas, a pergunta que se faz é: será que eu chegarei até lá? Eu me perguntava isso. O impressionante, é que o tempo passou e eu não percebi. Para quem acreditava que não tinha futuro e muitas vezes cheguei a fazer coisas justamente por não saber o dia de amanhã, agora em novembro, em Buenos Aires, caminhando pela Florida, não só eu tive futuro, como a vida de transplantada passou sem eu me encucar com isso! Ou seja o futuro havia passado sem que eu tivesse percebido!!! Mais precisamente, eu já vivia o futuro incerto todos esses anos.
Tenho certeza que só sobrevivi à doença terminal - colangite esclerosante associada à retocolite ulcerativa - porque eu precisava ver meu filho se tornar adulto. Eu precisava ter saúde para educar meu filho (com 12 anos na época da cirurgia) e vê-lo se transformar num homem decente. E, mais interessante, os últimos seis anos de tx passaram sem que eu me encucasse com o fato e as limitações de uma pessoa transplantada, porque eu reencontrei o amor, uma situação a qual eu me negava a aceitar como algo natural, lá nos primeiros anos de pós-vida: como deixarei um homem viúvo? Assim, namorei muito entre os anos de 1998 a 2002. Até que tomei a decisão de ano novo: está na hora de me tornar uma mulher séria, mas ainda em 2000. Aproveitei dois anos de lambuja, antes de encontrar meu atual companheiro, porque há decisões difíceis de encarar, quando a gente anda se divertindo muito...
E também não senti meus últimos 6 anos, porque a militância política pela democratização das comunicações tomou meu tempo, meus pensamentos, minhas ações por uma boa carga-horária, tarefa ingrata, mas necessária quando se é de esquerda. Todas estas coisas eu pensei em Buenos Aires. Como não se inspirar, quando se faz uma viagem com quase TODA A FAMÍLIA? Uma coisa inédita para pais, três filhos, dois netos, uma cunhada e dois amigos de sempre(a outra cunhada e o Eugênio não foram, uma pena).
Nunca tive medo de morrer, só sabia que tinha que viver, porque meu filho precisava de mim. Talvez por isso, não me preocupe com religiões ou fé. Como não entendo a vida, não perco meu tempo em tentar desvelá-la. Naquela madrugada de 30 de janeiro de 1996, enquanto me dirigia para o raioX numa cadeira de rodas empurrada pelo meu pai com a minha mãe ao lado, um monte de ossos sustentados apenas pelos tendões e pele, com tubo saindo do pescoço e dos braços, uma alegria se instalou em mim: passei pelo pátio interno e me senti na rua, numa madrugada agradável e com céu estrelado. Olhando aquele azulão escuro pontilhado de luzes, sentindo aquela suave brisa, pensei aquele fígado é meu, eu farei transplante.
Há uma hora antes, meu médico Álvaro Cassal havia me informado, que estavam analisando um fígado para meu transplante, MAS QUE NADA ESTAVA CERTO AINDA. No entanto, dariam início aos procedimentos pré-operatórios, entre eles o raioX dos pulmões. Ao cruzar o pátio, eu me sentia como se estivesse fazendo um passeio daqueles bem desejados...
No bloco cirúrgico, cumprimentei a Dra. Maria Lúcia Zanottelli e adormeci, implicando com o anestesista: duvido que encontres veias nestes braços. Só me lembro de acordar na UTI desentubada.
Bueno, já se foram os doze anos, meu filho é um homem de 24 anos e decente. Meus pais estão vivos e bem. Há muitos anos levo uma vida como qualquer outra mulher que não teve a mesma história de vida que eu, mas só há pouco tempo me dei conta disso.
Quanto ao futuro, para morrer, basta estar vivo, não é mesmo? E quem sabe dele? É que, agora, eu me sinto uma pessoa como qualquer outra. Transpus o enigma da sobrevida, naquele sentido de desafiar o tempo, não de temer a morte. Estou aqui para dar coragem a quem tem que passar pelo que já passei.
Continuo com muito tesão pela vida, expressão do Dr. Álvaro para tentar compreender a minha força e resistir à doença. Já estava setenciada: ou a Claudia faz cirurgia até o fim de janeiro, ou ela sai da lista, porque não resistirá ao procedimento. Minha mãe nunca duvidou, de que eu conseguiria.